domingo, 8 de abril de 2007

mensagem (instantânea?) a um urso ausente

-- Ei, Urso, onde estás?
-- Let's drift way out into the sunshine. Don't want to live counting sad days...
-- Bear, como follow me, you won't expect the illusion you'll see: it's my imagination. Hand me your eyes - I'll put them in front of the mine and you'll see a little better. You'll see a little better!

Não, eu não estou entorpecida nem eufórica por nenhuma salvação química, só aproveitando sua ausência para ser um pouco lírica, pois sinto falta do meu Blog.

-- And I can't waist another second living in Hell like a nadir of Heaven

Eu, que deixei adormecer o hábito da escrita e que me escuso sob o falso álibo que não há nada, nesta vida que levo, que me sirva de mote, de tema. Mas ambas sabemos, a Phoenix e eu, criatura e criadora, nós sabemos que é mentira. Que eu não tenho é coragem de remexer na bagunça espinhosa que tenho aqui dentro de mim. Eu quero ficar longe do vórtice caótico de emoções e sentimentos -- esse que eu precisaria mergulhar para escrever qualquer coisa que valhesse a pena gastar as palavras.

Estou escrevendo para ti, ausente, como quem se deita no divã de um psicanalista e finge que ninguém o ouve; quando é possível contar o embaraçoso sem se olhar refletida nos olhos do interlocutor - ainda que seja um que supostamente não o julga. Mas, ah! e o que nós imaginamos nos olhos dele? E podes dizer que eu encaro meus desejos e sentimentos com honestidade, mas talvez seja apenas o velho hábito de me massacrar: porque eu me sento em frente ao meu analista e olho diretamente nos seus olhos e sua face, aguentando suas expressões e aquelas que projeto. Olho diretamente nos olhos dos meus medos secretos, coloco as mãos inteiras no que é vergonhoso e feio em mim. Eu chafurdo no que é pútrido e é meu - e talvez seja mesmo o hábito de me maltratar.

Urso, por quanto tempo vais carregar essa carcaça decomposta da pequena possibilidade do amor soteropolitano? Ei Urso, não carregues tão longamente teus mortos, que teu tempo de viver já começou e habita um ser selvagem e sedento sob tua barba; ah! que há um homem de verdade querendo emergir de dentro de ti! Sê feliz. Por ti, por mim e por nós, que hoje sei que tinhas razão e eu cultivava nada além de ingênuos e quase ridículos sonhos vãos. Sê feliz que não tens uma bola de ferro pregada em cada pé - e podes dormir sabendo que não foram tuas próprias mãos que, inadvertidamente, apertaram as correntes.

Deixo-te isso e vou dormir, sem preocupar-me com coerência, porque conheces meu avesso e meu desvio. Durmo e te deixo meu esquerdo - o sinistro.

Que meus desencontros já conheces todos.

quarta-feira, 21 de março de 2007

maçã podre

Intoxicada pela libido que não se realiza, este foi seu diagnóstico. Você diz que fui envenenada pelas tantas vontades que saíram de mim, velozes, embocaram em rua pequena, atropelaram-se e quebraram os ossos na placa: "sem saída". Pois eu digo que lá, sob os pés da placa, deveriam jazer, apodrecer, estrebuchar, sabe Deus o quê - ou fossem lavadas pela chuva e tragadas pelas bocas-de-lobo. Desde que a mim não retornassem, tão tortas e disformes que, até eu - que dou jeito em tudo, nem eu soube o que fazer delas e deixei que aqui ficassem, decompondo-se no céu aberto dos meus dias esquerdos. E eis-me então: envenenada.

domingo, 11 de março de 2007

balanço

Entre mortos e feridos, salvaram-se quase todos.
Morri cinco vezes - e a última foi fatal.

pai nosso, que não estais no céu...

O que se faz quando a inocência desapareceu tal e qual bruma no ar, sem vestígios, como se sequer tivesse existido? Quanto o solo dos nossos sonhos foi tão abusado que é agora árido - tão inóspito que nem as esperanças-daninhas brotam dele.

Pouso meu olhar, pardo e opaco, no terreno vazio e seco -- é áspera e rude a terra que deixo escoar pelos meus dedos; percebo, sem espanto, que tem agora a cor destes olhos que um dia foram ouro verde, flamejante.

Tantos anos lutando incansavelmente em busca da felicidade - sem êxito... Só acredito agora que ela é outra mentira, fantasia criada pelo Deus que não existe, o piadista sádico - este, que habita o céu que eu sei vazio.

Não desisto e rogo, talvez em desafio: "Deus, tem piedade de mim, anuncia em minha vida a chegada do inesperado, do bom, daquilo que me faz abrir os olhos de manhã e sorrir - apenas por estar viva". Ele pára, por breve instante, para me ouvir. Dá de ombros, ri despreocupadamente e volta a se ocupar com a incessante e divertida atividade de não-existir.

sábado, 10 de março de 2007

insanidade (por enquanto) temporária

Por horas, eu perdi o controle e rompeu-se o tênue fio que me segura à beira da razoável; estive além do limite do suportável, transtornada por tudo que é excessivo, exaustivo e incansável no decorrer da vida que eu ainda não sei se é minha.

E eu, que tanto temo a loucura, percebo que andamos lado a lado. Esta noite, sucumbi a seu encanto hipnótico e quase fatal. Esta noite, eu perdi meu eu e meu corpo mexia-se à mesma velocidade que meus pensamentos. Nesta noite, o sono não veio, a despeito daqueles que induzem ao sono e roubam meus sonhos - os sedativos. Mas, nesta noite eles não me concederam a pequena morte. Guiado pelo cérebro parte entorpecido, parte acelerado, meu corpo debateu-se por todos os cômodos desta casa-prisão, com minhas transtornadas pernas sendo o mais fiel retrato das minhas embaralhadas sinapses.

Inquietas, ansiosas, eu queria as cortar fora, estas pernas que eram excrescência maldita, a me perturbar por intermináveis segundos, minutos, horas! Eu grito, eu choro, eu oro para este céu vazio! para o Deus piadista! Eu choro, eu imploro, o cachorro late, as crianças se assustam. Como ébria, como maníaca, ando aleatoriamente pelos quartos e choro: por favor, eu só quero dormir, eu só quero que minhas pernas fiquem em paz. Que a cabeça seja essa tormenta, mas que o corpo descanse! E o Deus que não existe ri, satisfeito. Vêm os remédios, vêm o sono - o pequeno torpor. Não vem o esquecimento e, ao despertar, imediatamente me lembro que os mesmos dias miseráveis esperam por mim - e pelas minhas pernas.

Esta vida me vem como avalanche, como vulcão em erupção - a lava me persegue e corro, corro além do limite das forças que já foram exauridas - eu corro. Para salvar isto - isto, a que chamo de mim - eu fujo, usando energia que eu não tenho. E tal energia é confundida com ânimo, persistência e vitalidade. Pior: com vontade.

Não! Que eu só tenho vontade de ser engolida pela lava e finalmente cremada. Ainda que eu não renasça, ainda que eu me acabe com as cinzas que o vento há de dispersar por terra sem dono. Ainda que a fênix seja nada mais que lenda.

Que a lava me destrua, derreta este corpo de ave-Frankenstein, essa colcha de retalhos de pedaços de cadáveres - que meu corpo seja queimado. Não preciso do grande espetáculo, da explosão, das faíscas. Que imediatamente derreta, se funda à lava - pouco importa se nem cinzas sobrarem.

Importa é que o vulcão seja meu, que sua lava venha a mim e, tal qual manto dourado e laranja, abrigue e incendeie este costurado corpo morto, antes que a insanidade o faça.

quarta-feira, 7 de março de 2007

a long way from home

Já não reconheço meus desejos, a ponto de acreditar que não tenho nenhum; os dias tardam, cada hora se alonga em demasia. O que falta me envenena lentamente, até que eu sinta falta das garras do monstro que anteriormente rasgava minha carne. Era vida, era pulsação, perturbação; era mais do que essa falta, essa ausência maldita que se espalha pelas minhas células, tomando posse do que um dia foi meu e somente meu reino.

Hoje não tenho corpo, célula, vontade ou reino, tenho este vácuo que se espalha sem restrição, avançando e destruindo tudo o que lateja. Mantenho-me a distância de mim, desse eu cinza e lúgubre que a nada e por nada se perturba. Se eu chegar perto, temo ser violentamente tragada pelo vazio que hoje sou eu. E é quase como se eu fosse duas, dissociadas - a esvaziada e a órfã. Esperança e ilusão foram meus pais e sinto que os perdi cedo demais; não tenho porto, não tenho abrigo ou referências. Não tenho vontade.

Não tenho pais e a minha é uma casa devastada, cujos móveis maltratados espalham-se desordenadamente pelos cômodos entristecidos. As paredes descascam, o assoalho descorou-se há muito. O que resta dos tapetes roídos é de cor esmaecida e triste e um vento frio insiste em me castigar a cada vez que ouso passear pelos corredores do que um dia foi meu lar.


Sometimes I feel like a motherless child
from « American Negro Spirituals»
by J. W. Johnson, J. R. Johnson, 1926

Sometimes I feel like a motherless child
Sometimes I feel like a motherless child
Sometimes I feel like a motherless child
A long way from home...

quarta-feira, 17 de janeiro de 2007

pessoal, possessivo ou imaginário

É para ti que eu quero inventar a palavra que não tenho, o sentimento que só se traduz através do mais primitivo som que minha garganta produz, quando cérebro e língua são inúteis.

Minhas entranhas te saudarão em idioma próprio e bárbaro, grito surdo e gutural a rasgar teu tímpano, sacudir tua alma e arrepiar tua pele. Hás de encontrar beleza no som estranho e desconhecido - que é a voz primal da fênix renascendo.

Se não ecoar selvagemente meu som, esse novo corpo feito de cinzas se partirá pela força da contenção, pela fúria do urro estilhaçando esta pele de ave que ainda é frágil demais, que mal se formou.

Ouve, então, o meu canto visceral, mesmo que não existas, mesmo que sejas nada além de delírio. Invento tua presença e teus ouvidos agora, invento teus olhos e todo o mundo sob suas pálpebras. Invento o reconhecimento que virá do teu corpo e me refugiarei nele.

Que sejas pequena palavra, que sejas inominado, que sejas pronomes: tu, meu.